Expunção
Casa Azul
Imagine que se parte da ideia de que este espaço onde está não é um espaço. Que as suas paredes não são paredes, ou que se esqueceu, momentaneamente, que sabe o que são paredes. Parte-se também da ideia que a parede é apenas um suporte. Se então ela (a parede) é apenas um suporte, pode-se afirmar que ela deixa de ser parede. Se suporta o espaço, não existe espaço sem parede. Se a parede não é um muro, então o muro é mais parede do que a própria. Parte-se do princípio que se tem uma imagem na parede. Olhando a imagem a parede deixa de existir. Se se olhar a parede com uma imagem, a imagem, por sua vez, deixa de existir. Ou somos nós que perdemos a faculdade de a apreender? Se mudarmos a pintura de parede, anulamos o espaço. Se mudarmos as paredes o espaço é anulado e deixa de existir, bem como a imagem que tínhamos colocado na parede. Se a parede estiver repleta de imagens, somos forçados a pensar que nos esquecemos do que é uma parede. Assim, em qualquer uma das circunstâncias anteriores, inspiradas pelo texto “Wall” de Georges Perec, Species of Spaces and Other Pieces, é assumido que o próprio espaço não se delimita pela ideia de espaço porque, encapsulado nele, está, irrevogavelmente, a sua história. O seu lado visível é, per si, o resultado da expunção do que agora se tornou invisível e que permanece na memória assente num sentido arquivista da imagem e da experiência temporal. Serve a presente afirmação para uma reflexão necessária: “Tomando como garantido que existe uma parede, o que se passará atrás dela?”- Jean Tardieu.
Além dos três desenhos rebocados de Nelson, temos no espaço expositivo três obras de Xana Sousa, um “Desenho Plissado”, que provoca uma imagem através do desenho e do método de plissagem de tecido, que desconstrói e constrói de forma permanente o desenho, e dois “Desenho Riscado” que fazem parte de uma série de desenhos a que Xana intitulou de “Na Campa Que Farás” (2019 - hoje). Estes desenhos riscados evocam a ideia de ausência de corpo num espaço imaginado, a cova, e no tempo, que se desfragmenta quando o conceito de espaço é expungido. Importa, neste momento, a partir destas obras causar uma provocação necessária a partir de uma afirmação de Gustave Flaubert: “Não existe verdade. Apenas existe percepção.”. A percepção pode alterar-se e alterar o sujeito, mas não altera o que é de mais verdadeiro para nós: a nossa própria realidade. A nossa validade enquanto indivíduos num contexto social. Regressando às obras, a referência que lhes foi feita supra, confina-se na produção individual de cada artista que se encontram nos desenhos lixados, trabalhos conjuntos, um total de três desenhos que exploram o suporte na subversão do ato de expungir. O meio riscador deixa de ser o que rasura para evocar, desta forma, poder absoluto sobre a sociedade civil através da omissão, para passar a ser o suporte a expungir o riscador. Neste sentido os artistas Nelson e Xana apresentam uma obra incompleta para que esta sirva um propósito de participação de quem visite “Expunção”. O visitante poderá riscar, marcar o suporte com pontos e traços como se estivesse a expungir algo escrito ou imagem que neste suporte não existem.
Uma exposição composta por duas salas que levantam questões relacionadas com a aplicação do risco/ desenho na sua historicidade na no ato de expungir no seu sentido mais lato. O desenho como forma de revelar ou omitir, como camada e sistema de desencadeamento de associações com a realidade política e filosófica do nosso sentido de ser. Desenhos que surgem a partir da rasura, da saturação ou de dessaturação, extinção e ocultação ou, em contraste, na revelação da linha, na utilização de linhas e pontos para criar texturas e camadas tornando-se matéria visível que vela, possivelmente, algo.
― Jorge Reis, Expunção, 2023
Organização | EMERGE . Direção artística e de produção, curadoria e design cultural | Jorge Reis . Artistas | Nelson Rodrigues e Xana Sousa
Gestão de projeto cultural | Daniela Ambrósio . Fotografia, comunicação e marketing cultural | Marisa Bernardes . Mediação de públicos | Salomé Abreu
Assistente de produção | Débora Augusto . Montagem | Nelson Rodrigues, Xana Sousa, Jorge Reis, Débora Augusto . Comunicação acessível | Acesso Cultura
Estrutura financiada pela República Portuguesa – Cultura / Direção-Geral das Artes e Câmara Municipal de Torres Vedras. . Apoio à impressão | A3 - Arte Gráficas
Parceiros estratégicos | A Bolha - Teatro com Marionetas, Penguin editora e Portugal Slam . Apoio jurídico | PLMJ - Transformative Legal Experts
Parceiros media | Revista Umbigo, Rádio ONfm, Torres Vedras WEB, Gerador