Mamba de Jameson
Pensão Amor
Reza a história que, nos idos tempos em que o Tejo lambia o largo de São Paulo, fazia fama em Lisboa um marinheiro irlandês, de seu nome Thomas, graças a uma bebida que trazia consigo e que todos diziam ter a magia da felicidade. Apenas uns tragos daquele líquido-ouro e surgia na alma do homem um novo alento. Com receio de que a bebida acabasse, os homens do cais depressa espalharam o mito de que se alguma mulher tomasse um só trago choraria o resto da vida.
Todas acreditavam na história excepto Destemida, meretriz conhecida pela beleza e coragem, que mal se cruzou com o irlandês exigiu a sua parte. Não se sabe se por excesso de beleza de ambos ou excesso de tragos no líquido mágico, nasceu ali uma cega paixão. Durante semanas, ninguém viu nenhum dos dois e os boatos de que Destemida tinha poderes de encantamento ganharam fôlego na boca do povo.
Até ao dia em que Destemida, ao acordar, encontra vazia metade da cama. Enlouqueceu. Saiu nua pelas ruas, levando apenas pelos ombros o colorido xaile de crochet, que usava desde criança. Procurou em tabernas, ruelas, convés e outras camas, mas nem sinal do irlandês. No desespero e sem saber que rumo tomar, Destemida transforma-se em escamas e penas e vai por mar e ar em busca do seu marinheiro. Andou 140 luas pelo mundo numa vã procura e quando desistiu as escamas e as penas reuniram-se no Tejo formado uma cobra Mamba-de-Jameson que deslizou pelas árvores do cais até se enrolar ao quarto da pensão onde se amaram. E ainda hoje a cobra quando sente multidão, lança olhares atentos na esperança de ver passar o seu amante.
― Roger Mor, 2016